Ensaio sobre o anonimato
Por muito tempo na história “anônimo” era uma
mulher. Com essa frase Virgínia Woolf
denuncia duas deficiências na história da humanidade: a de não reconhecer e não
dar espaço à voz das mulheres. Estas, por séculos, passaram despercebidas como
agentes da História e foram analisadas sob o viés da inferioridade e, por
vezes, exclusivamente relacionadas ao da sexualidade. Por isso, recorreram ao
anonimato ou aos pseudônimos masculinos (alguém já ouviu falar em Aurore Lucile
Dupin? Mas provavelmente todos já ouviram falar em George Sand...). Para serem
vistas e ouvidas, elas tiveram de se esconder. Até não quererem mais agir em
surdina.
Pode-se dizer que o movimento
feminista dos anos 60-70 contribuiu para esse desvelamento que desembocou em
diferentes questionamentos sobre o papel da mulher na sociedade. No campo da
História, por exemplo, a denominada história
das mulheres surge no rastro do movimento feminista e se ocupa política,
social e culturalmente de questionar essa sociedade que exclui as mulheres da
sua rede de ações e criações, pois, no próprio campo acadêmico essas mulheres
que faziam História precisaram se legitimar frente o discurso conservador que
não as reconhecia como pares. Pode-se dizer que esse campo histórico está hoje
consolidado. Poderíamos dizer, então, que felizmente as mulheres resolveram
seus problemas com os silêncios da História e quebraram a barreira do
anonimato... Talvez não... Talvez tenhamos que dizer, infelizmente, as mulheres ainda se escondem nas sombras do
anonimato...
Tal constatação pode ser feita a
partir de alguns depoimentos que buscam pelas mulheres. Recentemente fiz a
leitura de um texto na internet de uma escritora carioca que ofereceu uma
oficina literária e se surpreendeu com o fato de que só mulheres se
inscreveram. Num segundo momento, a surpresa se deu pelo fato de que essas
mulheres já escreviam, mas nunca publicaram seus trabalhos por não se considerarem
escritoras. Elas se esconderam no anonimato da oficina literária.
Coincidentemente, no mesmo
período em que fiz essa leitura, eu mesma participei de uma oficina
literária... Esta, diferente da carioca, não era só formada por mulheres, mas elas
eram a maioria, que lá se sentiram à vontade para falar sobre as vidas
fictícias que já criaram.
Ao final da oficina, foram feitos
alguns sorteios de brindes e eu fui agraciada com o livro 48 contos paranaenses, organizado por Luiz Ruffato. Como o título
sugere, o livro apresenta ao leitor 48 contos de escritores paranaenses. Fiquei
curiosa em saber quais seriam esses autores. Imaginei que certos nomes seriam
obrigatórios na composição do livro. De fato, Dalton Trevisan está lá. Helena
Kolody, não. Mas ela era uma poetisa, então compreende-se sua ausência já que o
livro é de contos. Fui em busca, então, desses autores paranaenses e me deparei
com 4 autoras. Dos 48 contos do livro, somente 4 foram escritos por mulheres.
Lembrei-me imediatamente das cariocas. Será que as paranaenses também estão sob
o véu do anonimato das oficinas?
O anonimato é o companheiro
inseparável dessas mulheres que escrevem, mas que não são lidas. O anonimato é
o elefante branco sentado na sala. Ele é o elefante branco da Academia
Paranaense de Letras que, dos seus atuais 39 membros, 5 são mulheres. O
anonimato é o elefante branco da Academia Brasileira de Letras que, dos seus
atuais 40 membros, 5 são mulheres. Sem falar dos vários eventos literários que
celebram, em sua maioria, a literatura feita por homens.
Esta situação, infelizmente, não é local. Em 2014, a escritora
inglesa Joanna Walsh decidiu expor o elefante branco da falta de visibilidade
das mulheres no campo literário. Ela lançou uma campanha #ReadWomen2014 que instigava a leitura de obras literárias de
mulheres que escrevem tanto quanto os homens, mas não recebem tanta
visibilidade como eles. No Brasil também há iniciativas como a da autora
inglesa, como o site kdmulheres que
visa contribuir com reflexões e iniciativas que colaborem para a construção de
uma maior visibilidade da literatura feita por mulheres.
O livro 48 contos paranaenses, além da boa leitura
literária, nos faz refletir sobre essa conjuntura problemática e, ainda que
inconscientemente, denuncia o anonimato ao qual as mulheres se sujeitam por não
encontrarem espaço para as suas letras. Porém, é preciso escrever. É preciso
sair do anonimato das oficinas, pois as mulheres não querem só flores, elas
também querem espaço nas prateleiras das livrarias, nas cadeiras das academias,
serem celebradas nos festivais literários e, principalmente, querem ser lidas!
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